Tensão
entre ideologia política e direitos humanos
Por
Aldir Guedes Soriano
Após 70 anos de existência, o valor das
Nações Unidas - ONU como marco civilizatório anda subsiste. Não se pode negar a
benfazeja influência da Carta das Nações Unidas de 1945 na inspiração da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e na subsequente positivação desses
mesmos direitos fundamentais nos tratados internacionais e, também, nas
constituições estatais. Assim, sob as
mesmas influências dos discursos liberal e social, que nortearam a Declaração
Universal, a Constituição brasileira de 1988 assegura, hoje, direitos civis,
políticos, econômicos culturais e sociais.
Por outro lado, é de se lamentar que a ONU não foi capaz de evitar as
gravíssimas e sistemáticas violações de direitos humanos no período pós-guerra,
assim como o avanço das atividades terroristas e principalmente os genocídios
que ocorreram na China e na União Soviética. Ainda nos dias de hoje seres
humanos são perseguidos e degolados como animais por fanáticos do Estado
Islâmico, que pretendem estabelecer um califado hegemônico e universal. A
propósito disso, o presente artigo analisa suscintamente a vulnerabilidade dos
direitos humanos em face do poder político de pretensões totalitárias.
Apesar da proclamada era dos direitos
inaugurada pela ONU, o ser humano permanece na sua condição de vulnerabilidade
em face dos grandes interesses e pretensões ideológicas e políticas. Os
direitos humanos “de primeira geração”[1]
concorrem diretamente com o poder do Estado, pois são direitos que dependem da
omissão estatal para que possam ser exercidos. A inversão disso, ou seja, a
intromissão do poder estatal determina a redução desses direitos. Assim, é
notória a redução da autonomia individual à medida que se promove o aumento do
poder estatal e a estatização do espaço privado.
Filósofos influentes, como Rousseau,
Hegel e Marx, ao tentar lançar as bases da liberdade humana, acabaram por
pavimentar o caminho do estabelecimento da tirania, da opressão e do
totalitarismo. As consequências disso na
América Latina foram por um lado o desenvolvimento do virulento populismo
bolivariano e de outro lado a cristalização da crença popular de que o governo
ou o Estado são entes provedores de todas as necessidades humanas. Assim, o
povo sul-americano é tratado como gado. Aviltado em sua dignidade é vítima do
discurso eleitoreiro que promete o bem-estar social para todos. Assim, gradativamente a população acaba por
consentir que o Estado se intrometa nos assuntos privados com o alento ilusório
das políticas de transferência de renda como o “Bolsa Família”. A realidade é que as tais políticas de transferência
de renda, como se verificou na Venezuela, produzem pobreza. Isso é
perversamente desejável do ponto de vista populista, pois assim é possível
justificar mais intervenção estatal, mais controle dos meios de produção e, enfim,
mais impostos para alimentar o assistencialismo demagógico. Essa lógica
maquiavélica instala o ciclo de pobreza e de intervenção estatal.
Nas origens ideológicas do populismo
latino-americano na versão bolivariana e de inspiração cubana não há nenhum
apreço para com os direitos humanos nem com o alardeado bem-estar social. Como
revela o cubano exilado no Brasil, Carlos Moore, os negros foram brutalmente
perseguidos pela ditadura de Fidel Castro. Após a revolução, o candomblé foi
banido e os pais de santo foram encarcerados em gigantescos Campos de Concentração, nos quais alguns
deles foram fuzilados. Ademais, o homossexualismo é proibido em Cuba. Além de
violar a liberdade de expressão fechando jornais independentes, a Venezuela foi
acusada pela ONU pela prática de tortura e maus-tratos de 3.000 opositores ao
regime ditatorial de Nicolás Maduro, que foram presos em manifestações desde o
início do ano.
O único compromisso notório do
populismo latino-americano é com o poder, que deve ser cada vez mais
centralizado no executivo. Os poderes legislativo e judiciário se tornam
totalmente subservientes à vontade do executivo. Além disso, controle social da
mídia blinda o sistema opressor.
As raízes do fenômeno estatizante são
complexas e merecem estudos mais aprofundados, contudo não há dúvidas de que filósofos
influentes moldaram tanto a política mundial quanto as crenças populares no
sentido da sacralização do Estado. Nessa linha de raciocínio o Estado passou a
ser o depositário de todas as virtudes morais e o agente idôneo da intervenção
e da regulamentação da economia, da família, da propriedade, da religião e até
mesmo na vida privada do cidadão. Alias,
são essas as principais áreas em que se encontram os poderes concorrentes do
poder estatal, nas quais o indivíduo pode exercer legítima autonomia para
pensar e agir.
Instalou-se
no Brasil e no mundo uma crise dos direitos humanos traduzida na estatização da
dimensão da vida privada. As possibilidades de livre atuação tanto de indivíduo
quanto de associações privadas são sensivelmente e gradativamente reduzidas.
Não são gratuitos os ataques aos principais poderes que concorrem com o poder
do Estado no âmbito da família, da propriedade privada e da religião. O objetivo é a concentração do poder. Os
direitos humanos são utilizados como pretextos para atacar principalmente as
liberdades individuais. As pretensões do
populismo bolivariano vêm de encontro com os direitos consagrados pela
Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.[2]
Notas:
[1] O sistema geracional dos direitos humanos é criticado
pela doutrina, contudo a denominda primeira geração de direitos corresponde aos
direitos civis e politicos. Conforme acentua Carlos Weis, não há
uma sucessão de direitos, erroneamente induzida pela idéia de gerações de
direitos. Destarte, os direitos mais recentes não suscederam os mais antigos. Os
direitos de segunda geração - sociais,
econômicos e culturais - não são superiores aos direitos individuais. Os
direitos de segunda geração não poderiam ser utilizados como pretexto para a
violação de direitos individuais.
[2] De
acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, “ninguém será
arbitrariamente privado de sua propriedade, “ninguém será sujeito a
interferência na sua vida privada, na sua família e no seu lar e “todo o homem
tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião”.
2 comentários:
Artigo esclarecedor sobre um grande mal que assola nosso continente.
Muito obrigado!
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