segunda-feira, outubro 29, 2007

Extremistas atacam igreja para comemorar fim do Ramadã


15/10/2007 - 11h39

Igreja ameaçada em Peshawar
PAQUISTÃO (17º) - Armados com armas e bastões de aço, extremistas islâmicos atacaram a Nova Igreja Apostólica em Hadyara, nos arredores de Lahore.

"A ação foi anunciada pelos alto-falantes da mesquita local, em comemoração ao fim do Ramadã. O grupo espancou os adoradores, danificou as dependências da igreja e nem sequer poupou uma pequena criança.
Depois do incidente, os agressores também convocaram homens de negócios e fazendeiros muçulmanos a não permitirem os cristãos em suas propriedades ou realizar qualquer tipo de transação comercial com eles.
A polícia de Lahore só chegou depois do incidente, mas permaneceu a noite toda para patrulhar a área ao redor do edifício da igreja.
Em outro lugar no perto de Peshawar, extremistas islâmicos destruíram seis lojas e uma barbearia em resposta ao que chamaram de “violação da moralidade muçulmana”. Uma pessoa foi morta e duas ficaram feridas em consequência da violência."

Fonte: Ministério Portas Abertas

domingo, outubro 28, 2007

Mártires do século XX são beatificados.



Hoje, 28 de outubro de 2007, 498 religiosos espanhóis foram proclamados beatos em nome do Papa Bento XVI. Os religiosos foram assassinados durante a guerra civil espanhola (1934 y 1936-39). Estima-se que, no mesmo período, o número de mártires pode chegar a 10.ooo, segundo o jornal El País. Para o pesquisador Kamem, a inquisição espanhola matou 20 mil em 4 séculos.

Mais informações: Jornal El País

Quer saber mais sobre a Guerra Civil Espanhola: Clique aqui.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Meu artigo publicado hoje no jornal Correio Braziliense



TOTALITARISMO NORTE-COREANO E DIREITOS HUMANOS

Aldir Guedes Soriano

Correio Braziliense, 22 de outubro de 2007

Com o termino da Segunda Grande Guerra Mundial, em 1945, a Coréia foi dividida em Coréia do Norte e Coréia do Sul. Esta seguiu a orientação democrática estadunidense enquanto aquela seguiu a orientação marxista-leninista da União Soviética e se tornou um Estado totalitário. O cientista político Rudolph J. Rummel, em seu livro Death by Government, estima que 800 mil coreanos escaparam da coréia comunista para a democrática logo após a cisão do País, prevendo o iminente desastre. O pânico da população não era indevido, porquanto a revolução comunista na Coréia do Norte cobraria o saldo de 1 milhão e 600 mil vítimas assassinadas, segundo a moderada estimativa de Rummel. Os contra-revolucionários eram enviados para os campos de trabalhos forçados ou executados. Como se não bastasse, em 1955, a Coréia do Norte invadiu a Coréia do Sul provocando a morte de aproximadamente 2 milhões e 550 mil pessoas em batalhas. Durante a ocupação de 4 meses, os anticomunistas eram sistematicamente executados.

Kim Il Sung assumiu o poder da República Coreana como Premier e promoveu uma intensa estatização ou intromissão do Estado na vida privada dos coreanos. Assim, do nascimento à morte os indivíduos passaram a ser controlados pelo regime comunista e totalitário. Em sua própria homenagem, o Premier mandou contruir uma estátua de 18 metros de altura, totalmente coberta de ouro. Honra e lealdade a Kim Il Sung era uma exigência que não podia ser negligenciada sob pena de prisão e, por vezes, morte.

A situação atual na Coréia do Norte é dramática, em face da tirania perpetrada pelo governo de Kim Jong Il. Os norte-coreanos são privados dos mais elementares direitos humanos, como o direito à liberdade religiosa. De acordo com uma classificação publicada em fevereiro de 2007 no site Portas Abertas, a perseguição na Coréia do Norte é severa. Esse país ocupa o primeiro lugar da lista em termos de perseguição religiosa.

As religiões contrárias ao totalitarismo norte-coreano foram peremptoriamente proibidas. As igrejas passaram a ser dominadas pelo Estado. Os religiosos e inimigos do Estado são enviados para campos de trabalhos forçados. Segundo R. J. Rummel, 265 mil pessoas foram assassinadas nesses campos de concentração. Em um vídeo produzido pelo Ministério Portas Abertas, a norte-coreana Soon OK Lee conta a sua experiência. Por razões políticas, ela foi encarcerada em um campo de trabalhos forçados para mulheres, supostamente doentes mentais. Com o tempo, contudo, pôde verificar que se tratava apenas de cristãs, que eram submetidas a terríveis maus tratos. Pouquíssimo alimento era oferecido para as prisioneiras. Durante o seu encarceramento, observou que as prisioneiras grávidas eram espancadas brutalmente até que abortassem. Lee conseguiu fugir para a Coréia do Sul, mas a maioria dos fugitivos é capturada e executada publicamente, como relata Rummel. Os prisioneiros são colocados em um regime de 16 horas por dia de trabalhos forçados e 2 horas de doutrinação ideológica. Além das execuções, muitos morrem em razão da desnutrição ou de doenças. Seria difícil para uma mente humana imaginar cenário tão desolador quanto à realidade dos campos de concentração norte-coreanos.

Segundo Christopher Hitchens, a Coréia do Norte embora seja comunista não é propriamente um Estado ateu, uma vez que o líder atual, Kim Jong Il, e o seu pai Kim Il Sung – no contexto confucionista – são cultuados como deuses. Assim, tratar-se-ia de um Estado religioso ou confessional. Paradoxalmente, como observa Hans Küng, o confucionismo – supostamente a religião do Estado norte-coreano – tem como regra áurea os seguintes dizeres: “O que não desejas para ti mesmo, isso também não faças aos outros”, antecipando em 500 anos o ensinamento de Cristo no Sermão da Montanha. Tal regra parece ter sido olvidada pelo Partido Comunista norte-coreano ou, então, o que é mais provável, a Coréia do Norte tenha se tranfomado em Estado ateu e totalitário, sob a influência da orientação soviética: marxista-leninista.

Tanto a religião quanto a irreligião (ateísmo) podem contribuir para a pacificação da sociedade, desde que mantidas separadas do poder político estatal.
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ALDIR GUEDES SORIANO, advogado, é membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP (seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil) e autor do livro "Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional" Site do autor: www.aldirsoriano.com.br

Cristãos sofrem agressões na Índia


No dia 4 de outubro de 2007, culto cristão foi interrompido por aproximadamente 20 radicais hindus que agrediram e espancaram, violentamente, dois evangelistas. Ao prestarem queixa das agressões em uma delegacia rural foram ignorados pelas autoridades.

Mais informações: Portas Abertas

Leia mais sobre a Índia na Wikipédia.

domingo, outubro 21, 2007

Perseguição praticada contra cristãos está aumentando

Pelo menos 200 milhões de cristãos sofrem perseguição ou discriminação religiosa segundo German yearbook “Maertyrer 2007” (Martyrs 2007). A situação mundial da liberdade religiosa está se deteriorando.

Mais informações: ANS.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Monumento dedicado a adventistas mortos durante o regime stalinista


"O líder adventista Victor Vitko fala em 7 de outubro durante a dedicação de um monumento a 140 adventistas executados durante o regime de Josef Stalin no final dos anos 30. Mais de 100 pessoas estiveram reunidas para a cerimônia no Cemitério Levashovsky, em São Petersburgo, Rússia. [Foto de cortesia da ESD]
Adventistas do sétimo dia e membros da comunidade de São Petersburgo, Rússia, dedicaram um monumento em 7 de outubro a adventistas mortos durante a grande repressão política, conhecida como Grande Expurgo, sob o líder da ex-União Soviética, Josef Stalin, no final dos anos 30.
Cerca de 100 pessoas, inclusive um representante do prefeito, reuniram-se para o memorial no Cemitério Levashovsky, segundo Viktor Vitko, o diretor de Relações Públicas e Liberdade Religiosa para a Divisão Euro-Ásia da Igreja Adventista do Sétimo Dia, com sede em Moscou.
Vitko declarou que dados recém divulgados revelaram que cerca de 40.000 pessoas foram secretamente executadas em São Petersburgo entre 1937 e 1938. Cinco das 140 vítimas adventistas agora foram identificadas.
O cemitério permaneceu inacessível pelo Comitê de Segurança do Estado (KGB) até 1989, explicou Vitko.
"Creio que ser da mais elevada importância ter esse tipo de símbolo agora na Rússia", declarou Michael M. Kulakov Jr., um professor associado de Ciência Política e Filosofia no Columbia Union College, nas proximidades de Washington D.C., em entrevista telefônica. "É fundamental nos lembrarmos do preço que milhões de nossos compatriotas pagaram pela liberdade de pensamento e expressão".
Kulakov declarou que o monumento há muito estava faltando. "Mas antes de 1992 não havia possibilidade de que os adventistas ou quaisquer outros grupos religiosos edificassem um monumento em público, muito menos que obtivessem uma tal permissão", declarou Kulakov.
O pai de Kulakov, Michael P. Kulakov, certa vez banido para a Sibéria, foi um dos muitos adventistas que secretamente prosseguiram o trabalho da Igreja Adventista na Rússia durante o regime comunista. O Kulakov mais jovem recorda-se de ter encontrado compartimentos secretos quando criança na casa de seu pai no Cazaquistão, um até escondendo uma edição do guia de estudo bíblico adventista. Em 1990 o Kulakov mais velho tornou-se o primeiro presidente da recém-formada Divisão Euro-Ásia, com base em Moscou.
O novo monumento em Levashovsky é significativo, disse Kulakov, porque muitos russos mais novos estão bastante distanciados do passado comunista do país. "Eles não têm conhecimento experimental do grau de repressão e sofrimento que a ditadura de Stalin trouxe à Rússia", declarou ele.
Há agora 45.000 adventistas que cultuam a Deus em aproximadamente 600 igrejas na Rússia."

Fonte: Adventist News Network

Para saber mais sobre a história Russa:
Viste o site história da Rússia.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Meu artigo na Revista Consulex n. 258: "Levando o Estado laico a sério", publicado em 15 de outubro de 2007



Por Aldir Guedes Soriano
Advogado no Estado de São Paulo. Vice-Presidente da ABLIRC – Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania e autor do livro “Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional”. Site do autor: www.aldirsoriano.com.br

O título do presente artigo – Levando o Estado laico a sério – foi cunhado a partir da obra de Ronald Dworkin: Levando o direito a sério. Na realidade, levar o Estado laico a sério, no contexto da democracia liberal, é uma conseqüência natural quando o direito é levado a sério.


O Estado laico é um legado do pensamento liberal cujo principal mentor foi o filósofo John Locke. A partir do século XVII, diversas correntes de pensamento se desenvolveram, tais como o racionalismo, o iluminismo, o darwinismo e o materialismo ateu. Todas elas contribuíram para o processo de secularização da mentalidade ocidental, que culminou com o desenvolvimento de uma heterogênea cultura leiga e, por fim, com o surgimento do Estado leigo. Por outro lado, há também uma base legal ou positivista, uma vez que o pluralismo e a separação entre a Igreja e o Estado são, geralmente, assegurados pelas constituições de diversos Estados democráticos. O constitucionalismo também pode ser considerado um legado do pensamento liberal. Assim, quer do ponto de vista jusnaturalista ou positivista, o estado laico deve ser levado a sério.


Para os Estados que adotam o regime da separação entre a Igreja e o Estado, levar o direito a sério implica levar o Estado laico, leigo ou não-confessional a sério.


Discussões sobre o Estado laico não são apenas necessárias, mas também inevitáveis, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, Turquia ou qualquer outro país. Nunca se falou tanto sobre esse assunto como neste ano. Pode-se dizer, até mesmo, que esse tema se tornou popular para os brasileiros após a visita do Papa Bento XVI, em maio de 2007. Contudo é preciso reconhecer a relação com questões cruciais para o cidadão. Daí a sua importância no contexto do Estado Democrático de Direito. O tema está ligado à parte dogmática da constituição, que compreende os direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, há desdobramentos e correlações com temas polêmicos e atuais como liberdade religiosa, pluralismo, tolerância, aborto, ensino religioso nas escolas públicas, concordata e uso estatal de símbolos religiosos. Ao examinar como alguns desses temas polêmicos são tratados, é possível vislumbrar se o Estado laico realmente está sendo ou não levado a sério.


O que se entende por Estado laico, leigo, ou secular


O Estado laico é secular ou não-confessional, ou seja, é aquele em que o Estado se mantém separado da Igreja, das religiões e das confissões religiosas. Por outro lado, é importante observar que o Estado laico também não é ateu e pagão, como bem dizem Ives Gandra da Silva Martins e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral. Ele não é ateu nem muito menos confessional: ele é neutro – ou, pelo menos, deveria, em tese, ser neutro.


Ocorre que nem sempre a laicidade é levada a sério. Na França e, por vezes, na Inglaterra o princípio da laicidade é levado ao extremo. Por conseguinte, a liberdade religiosa é cerceada à medida que se proíbe o cidadão de usar símbolos religiosos, tais como crucifixos e vestimentas muçulmanas e judias, nas escolas públicas. No Brasil, como se verá, nem sempre o Estado leigo é levado a sério.


O Estado confessional foi capaz de cometer graves desatinos e atrocidades. Os horrores das "santas inquisições" só foram possíveis com a associação entre a Igreja e o Estado, quando a heresia passou a ser considerada um crime contra o próprio Estado (crime de lesa majestade). Também não há dúvidas de que o Estado totalitário, ateu e hostil às religiões pode ser inimigo das liberdades individuais, principalmente em relação às liberdades de crença, consciência e culto. É notória a hostilidade e a intolerância do ateísmo marxista em face das religiões, mormente o cristianismo. Durante o período pós-guerra de 1945 a 1975, cerca de 330.000 mil cristãos, em média, eram mortos anualmente na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. O cientista político Rummel estima que mais de 98 milhões de pessoas foram mortas por regimes marxistas no século passado. É verdade que muito sangue foi derramado em nome de Deus ou através de guerras religiosas. Entretanto é forçoso concluir que o ateísmo comunista foi muito mais deletério e assassino.


Atualmente os cristãos são as maiores vítimas de perseguições religiosas. Em pleno século XXI, cristãos são encarcerados, torturados e assassinados aos milhares. Vale lembrar a situação deplorável na Coréia do Norte em face dos graves crimes perpetrados pelo governo cruel e tirano de Kim Jong Il. Os norte-coreanos são privados dos mais elementares direitos fundamentais e não têm nenhuma liberdade religiosa. Países em que a mesquita está unida ao Estado são hostis às minorias religiosas. A Turquia apresenta um índice de perseguição religiosa muito menor porque tem se mantido laica. Entretanto, a situação está se agravando, sobretudo em alguns Estados muçulmanos da África.


Como se pode perceber, os dois extremos devem ser evitados. Por isso, é melhor que o Estado seja laico e neutro.


Liberdade religiosa e pluralismo


A separação entre o Estado e as religiões é pressuposto essencial para que haja plena liberdade religiosa. O Estado laico, democrático, liberal e pluralista que surgiu após a Revolução Francesa é, sem embargo, o modelo mais propício à coexistência pacífica de todas as manifestações religiosas existentes na sociedade.


A democracia liberal possui dois pilares ou princípios cruciais, que se inter-relacionam: livre exercício da religião e o não-estabelecimento da religião pelo Estado (nonestablishment). Daí a metáfora americana do muro de separação entre a Igreja e o Estado, como elemento basilar de todas as liberdades públicas.


A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776 reflete o liberalismo político como legado judaico-cristão. “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.”


O pluralismo religioso é salutar. Não representa nenhuma ameaça. Assim, a paz mundial não depende da eliminação das diferenças nem tampouco da união, unificação ou homogeneização da diversidade religiosa existente na sociedade.


Há, nos dias de hoje, uma enorme quantidade de livros e artigos que apontam a religião como o grande mal da humanidade. Tais publicações estão protegidas pelo direito à liberdade de expressão. Não obstante, as idéias veiculadas merecem e exigem contrapontos à altura e que também devem gozar de idêntica proteção jurídica. Pois bem, estudos demonstram que o ateísmo já derramou muito mais sangue do que a religião. Além disso, a história demonstra que a religião só se torna perigosa, opressiva e tirânica quando está associada ao poder temporal do Estado. Ademais, é forçoso reconhecer as inúmeras contribuições das religiões para a cultura e, também, para a construção do constitucionalismo liberal, ou seja, para a cultura do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. John Locke (1632-1704) não rompeu totalmente com a religião ao conceber um direito natural baseado tanto na razão quanto no livre arbítrio.


Na Espanha, há um monumento eloqüente a favor do pluralismo. A muralha de Ávila, construída no século XII por judeus, cristãos e muçulmanos, demonstra que o pluralismo não é apenas possível, mas útil e proveitoso para toda a comunidade. Por séculos, o interior dessa muralha de pedra ofereceu proteção em face da barbárie exterior. Por séculos as três religiões conviveram pacificamente na península ibérica. Porém, no século XV, a paz foi interrompida com os Autos de Fé da Inquisição de Torquemada, frutos da associação entre a Igreja e o Estado e que eram realizados em frente à Igreja de San Pedro. Tais Autos ocorreram no interior das mesmas muralhas que outrora representavam proteção e civilidade. O fato é que a convivência pacífica é possível; os conflitos são determinados pelo consórcio entre a Igreja e o Estado e, também, por fatores políticos e econômicos. Os reis católicos Fernando e Isabel solicitaram ao papa a instituição da inquisição espanhola. Eles elegeram o catolicismo como o bem comum e pretenderam a unificação política e religiosa por meio da eliminação das religiões dissidentes.



Ilustração 1: Vista parcial da muralha de Ávila, Espanha, que tem 2.516 metros de perímetro, 12 metros e altura e 88 torres. Construída na Alta Idade Média (século XII). Foto do autor.



Ilustração 2: Inscrição contemporânea que se encontra em uma das torres da muralha de Ávila: “A muralha, uma construção coletiva. Levantar seus muros requereu um grande esforço econômico e humano de cristãos, judeus e muçulmanos, homens livres e servos. Sua manutenção constante exigiu a colaboração de todos.” Tradução livre. Foto do autor.


Estado laico e o aborto


O Estado laico, por si só, não constitui argumento a favor da legalização do aborto, tema polêmico e responsável por intensos, atuais e, por vezes, apaixonados debates. O fato é que tanto argumentos favoráveis quanto desfavoráveis à prática de abortos podem ser extraídos dos valores e direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988. Assim, não é preciso recorrer ao conhecimento religioso para a sustentação de uma tese antiaborto. O princípio da laicidade requer apenas que os argumentos religiosos não sejam diretamente utilizados nas atividades estatais legislativas, administrativas, executivas e jurisdicionais.


A Constituição assegura o direito à vida, art. 5º., caput. Não se pode negar que há vida em fetos e embriões humanos. Por outro lado, existe o direito de escolha (autonomia individual). Então, a polêmica reside na colisão entre o direito à vida do feto e o direito de escolha da gestante. Não se pode deixar de ressaltar que o direito de escolha – autonomia individual – não é absoluto, mesmo sob o ponto de vista liberal.


Quem não se lembra daquele cidadão que foi preso porque descascou o tronco de uma árvore para fazer um chá a fim de combater a enfermidade de sua esposa. O que dizer de tantos outros, pobres desempregados, que são presos porque mataram uma capivara para mitigar a fome de seus filhos. Será que a vida de embriões e fetos humanos vale menos do que árvores e animais silvestres? É preciso utilizar a lógica do razoável e não apenas a lógica formal e positivista.


É crível pensar na aplicação da lógica do razoável em situações particulares como, por exemplo, no caso de anencefalia fetal e gravidez proveniente de estupro, por exemplo. A autonomia da gestante assume nova dimensão e parece razoável que ela, nesses casos, possa optar ou não pelo aborto.


Símbolos religiosos nos tribunais


O uso de símbolos religiosos por particulares nos espaços públicos é razoável e compatível com o princípio da separação entre a Igreja e o Estado.


Por outro lado, o uso de símbolos religiosos pelo próprio Estado, como os crucifixos instalados nos tribunais, viola os princípios da separação entre Igreja e o Estado e da isonomia e, também, o direito à liberdade religiosa. A proceder assim, o Estado assume a titularidade do direito de expressão religiosa, uma vez que é ele que está expressando a religiosidade ao ostentar objetos de culto de uma única religião.


No contexto laico, o Estado é titular passivo do direito à liberdade religiosa, jamais poderia ocupar a posição de titular ativo. Somente o ser humano e as organizações religiosas podem ser considerados titulares ativos do direito à liberdade religiosa.


A questão do uso de símbolos religiosos nos espaços públicos, no Brasil, teve certa repercussão com os pedidos de providência nº 1344 e apensos. Tais pedidos, submetidos à apreciação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, visavam à retirada dos símbolos religiosos das dependências de órgãos do judiciário.


O CNJ indeferiu os pedidos de providência supramencionados, por maioria do plenário. Já o Tribunal Constitucional Alemão decidiu pela inconstitucionalidade de um regulamento que determinava a colocação de um crucifixo em cada sala de aula do Estado da Baviera. Pode-se dizer que a decisão alemã, de fato, levou o Estado laico a sério.


Não há interesse público mais relevante do que oferecer ao cidadão a máxima eficácia de seus direitos fundamentais em condições de igualdade. A efetividade dos direitos humanos depende, em grande medida, da seriedade com a qual o Estado Laico é levado a sério, em todas as atividades estatais. A democracia liberal requer um judiciário imparcial e independente.




Notas:


1 A Constituição Federal de 1988 é essencialmente pluralista e laica. No art. 19, I, ela assegura a separação entre a Igreja e o Estado, conferindo o caráter secular do Estado. O pluralismo político é um dos fundamentos da República, art. 1º., V, da CF/1988. Tal princípio também deve nortear a educação, art. 206, III.
2 MARTINS, Ives Gandra da Silva e RODRIGUES DO AMARAL, Antonio Carlos. Estado laico não é Estado ateu e pagão. In: Jornal Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 de junho de 2007, Opinião, p. 3.
3 SORIANO, Aldir Guedes. Estado laico é neutro. In: Jornal Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 de julho de 2007, Opinião, p. 3. Segundo a Carta de Williamsburg, em comemoração dos 200 anos da Declaração Americana dos Direitos Humanos, o propósito do Estado laico não é religioso mas geral. Assim, o Estado também não pode assumir um propósito ateu e hostil à religião. Em suma, o propósito estatal não deve ser religioso e tampouco ateu. Por outro lado, a proteção da pessoa humana é, por certo, um dos propósitos nitidamente definido pelo Estado Democrático de Direito. (Cf. NOONAN, John T. Jr and GAFFNEY, Edward McGlynn Jr. Religious Freedom: History, cases, and other materials on the interaction of religion and government. New York: Foundation Press, 2001, p. 819)
4 O problema está relacionado com a lassidão e condescendência com atos que revelam a promiscuidade da relação entre o Estado e a religião.
5 Cf. SORIANO, Aldir Guedes. Estado laico é neutro. In: Jornal Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 de julho de 2007, Opinião, p. 3. As maiores atrocidades do século passado não foram praticadas por comunidades religiosas e sim por regimes seculares e totalitários tanto de esquerda quanto de direita. (GAFFNEY, Edward McGlynn Jr. Op. cit., p. xviii)
6 FOXE, John. The book of martyrs. Rewritten and updated by Harold j. Chadwick. Gainesville: Bridge-Logos Publishers, 2001, p. 326.
7 RUMMEL, R. J. Death by Government. New Brunswick: Transaction Publishers, 1994, p. 8.
8 Cf. COMPANJEN, Johan. Cristianismo de alto risco: a perseguição aos cristãos em 52 países do mundo. São Paulo: Carrenho, 2002, pp. 84 e 85.
9 Cf. SORIANO, Aldir Guedes. Estado laico é neutro. In: Jornal Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 de julho de 2007, Opinião, p. 3.
10 GREENAWALT, Kent. Religion and the Constitution: free exercise and fairness. New Jersey: Princeton University Press, 2006, p. 1.
11 Sobre a falta de cometimento da tentativa de unificação religiosa e a busca de uma religião mundial, vide PENN, Lee. False Dawn: The United Religions Initiative, Globalism, and The Quest For a One-world Religion. Hillsdale/NY: Sophia Perennis, 2004.
12 Vide os livros “God Is Not Great: How Religion Poisons Everything” de Christopher Hitchens , “Deus, um Delírio” de Richard Dawkins e “Is Religion Dangerous?” de Keith Ward.
13 Vide a propósito, os livros “Death by Government” de R. J. Rummel e “The Black Book of Communism: Crimes, Terror, Repression” de Stéphane Courtois.
14 Cf. SORIANO, Aldir Guedes. Direito e Religião. In: Jornal Correio Braziliense. Brasília-DF, 30 de julho de 2007, Caderno Direito & Justiça, p. 1.
15 Sobre a lógica do razoável, vide SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho. Mexico: Editorial Porrua, 1959, pp. 645 e ss.
16 O relator, conselheiro Paulo Lobo, foi o único favorável à retirada dos símbolos religiosos e também propôs a realização de consulta pública, via internet, para aprofundar e debater a questão. Em face da divergência do conselheiro Oscar Argollo, o julgamento foi concluído em 06/06/2007, sem a realização de debate público.
17 SCHWABE, Jürgen. Cincuenta años de jurisprudencia Del Tribunal Constitucional Federal Alemán. Traducción de Marcela Anzola Gil. Bogotá: Ediciones jurídicas Gustavo e Inañez Konrad Adenauer Stiftung, 2003, pp. 119-123.

Bibliografia

DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Massachusetts: Harvard University Press Cambridge, 1980.

COMPANJEN, Johan. Cristianismo de alto risco: a perseguição aos cristãos em 52 países do mundo. São Paulo: Carrenho, 2002.

FOXE, John. The book of martyrs. Rewritten and updated by Harold j. Chadwick. Gainesville: Bridge-Logos Publishers, 2001.

GREENAWALT, Kent. Religion and the Constitution: free exercise and fairness. New Jersey: Princeton University Press, 2006.

MARTINS, Ives Gandra da Silva e RODRIGUES DO AMARAL, Antonio Carlos. Estado laico não é Estado ateu e pagão. In: Jornal Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 de junho de 2007, Opinião, p. 3.

NOONAN, John T. Jr and GAFFNEY, Edward McGlynn Jr. Religious Freedom: History, cases, and other materials on the interaction of religion and government. New York: Foundation Press, 2001.

PENN, Lee. False Dawn: The United Religions Initiative, Globalism, and The Quest For a One-world Religion. Hillsdale/NY: Sophia Perennis, 2004.

RUMMEL, R. J. Death by Government. New Brunswick: Transaction Publishers, 1994.

SCHWABE, Jürgen. Cincuenta años de jurisprudencia Del Tribunal Constitucional Federal Alemán. Traducción de Marcela Anzola Gil. Bogotá: Ediciones jurídicas Gustavo e Inañez Konrad Adenauer Stiftung, 2003.

SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho. Mexico: Editorial Porrua, 1959.

SORIANO. Aldir Guedes. Estado laico é neutro. In: Jornal Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 de julho de 2007, Opinião, p. 3.

________. Direito e Religião. In: Jornal Correio Braziliense. Brasília-DF, 30 de julho de 2007, Caderno Direito & Justiça, p. 1.

Meu artigo na Folha de São Paulo: Estado laico é neutro

São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2007

Estado laico é neutro
ALDIR GUEDES SORIANO

O ESTADO laico não é ateu e pagão, como bem observam Ives Gandra da Silva Martins e Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, em artigo publicado nesta Folha ("Tendências/Debates", 14/6). Porém, não se pode olvidar que o Estado laico também não é confessional. O Estado ateu possui um caráter confessional às avessas. Assim, o Estado laico não é ateu nem muito menos confessional: ele é neutro -ou, pelo menos, deveria, em tese, ser neutro.
Não há dúvida de que o Estado ateu e hostil às religiões pode ser inimigo das liberdades individuais, principalmente em relação às liberdades de crença, consciência e culto. A própria Revolução Francesa levou, num primeiro momento, a uma série de desatinos contra os religiosos da época. Felizmente essa fase foi superada e a revolução acabou por contribuir para a idéia da separação entre o Estado e as confissões religiosas.
Cumpre observar que o Estado confessional também é capaz de cometer graves desatinos e atrocidades. Os horrores das "santas inquisições" só foram possíveis com a associação entre a igreja e o Estado, quando a heresia passou a ser considerada um crime contra o próprio Estado.
Como se pode perceber, os dois extremos devem ser evitados. Por isso, é melhor que o Estado seja neutro. Sempre que o Estado tentou definir o que é o bem comum por meio de leis, ocorreram graves confrontos, barbáries, genocídios e guerras. Foi exatamente o que ocorreu com a experiência totalitarista nazista, que foi imposta por Hitler a partir da edição das leis de Nuremberg de 1935. O mesmo aconteceu quando os reis católicos Fernando e Isabel solicitaram ao papa a instituição da inquisição espanhola. Os monarcas elegeram o catolicismo como o bem comum e pretenderam a unificação política e religiosa por meio da eliminação das minorias religiosas. Assim, positivando o bem comum, ateu ou religioso, o Estado se torna instrumento da tirania e da opressão.
Por essas razões históricas é que o ordenamento estatal não pode ser rígido. Não se pode positivar o que vem a ser o bem comum na sua plenitude. Daí advém em parte o valor dos princípios constitucionais -tais como o princípio da dignidade da pessoa humana-, aparentemente vagos e imprecisos, mas que podem ser extremante úteis na resolução de problemas jurídicos. Os valores religiosos não devem ser confundidos com o bem comum adotado pelo Estado.
O Estado laico e neutro é um legado do pensamento liberal, que se desenvolveu a partir do século 18. A democracia constitucional, ao adotar o liberalismo político, permite a convivência pacífica das diversas confissões religiosas existentes na sociedade, sem excluir os ateus (vide John Rawls). Assim, a liberdade religiosa alcança tanto crentes quanto descrentes (art. 5º, VI, da Constituição). Embora o preâmbulo da Constituição diga "sob a proteção de Deus", o Brasil ainda é um Estado laico por força do art. 19, I, do mesmo documento legal. O máximo que se pode dizer é que os constituintes promulgaram uma Constituição laica e pluralista sob a proteção de Deus. É interessante notar que o pai do liberalismo, o inglês John Locke (1632-1704), desenvolveu suas idéias de separação entre igreja e Estado e de autonomia individual alicerçado no livre-arbítrio extraído da Bíblia.
É evidente que, diante da ampla liberdade de expressão, o Estado democrático "não pode ser surdo à religiosidade de seus cidadãos", como observam os juristas supracitados, mas também não deve ser indiferente à ética humanista dos ateus. Ambas as correntes são capazes de influenciar, mesmo quando a religiosidade é convenientemente afastada da esfera pública. Isso porque, na esteira dos filósofos Gadamer e Ortega y Gasset, os agentes estatais, pessoas de carne e osso, dificilmente deixarão de carrear suas pré-compreensões religiosas para a esfera pública.
Contudo, é importante manter a religião como assunto essencialmente privado, que deve ficar restrito à família e às organizações religiosas. Como? Impedindo que argumentos religiosos sejam diretamente considerados nas atividades estatais legislativas, administrativas e jurisdicionais.
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ALDIR GUEDES SORIANO, advogado, é membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP (seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil) e autor do livro "Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional"

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