Por Aldir Guedes Soriano
Artigo originalmente publicado da Revista Consulex de 15 de dezembro de 2011
Embora o Irã faça parte das
Nações Unidas e figure como signatário de alguns tratados internacionais de
direitos humanos, reiteradamente desrespeita o dever de tratar com igualdade os
seus cidadãos. O texto do Artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 – “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos” – foi completamente olvidado no país de Armadinejad.
Ocorre que, a partir da Revolução
de 1979, o Irã adotou a Lei Islâmica – Sharia
Law – como fundamento jurídico do Estado. Nesse contexto teocrático de
fusão entre a Mesquita e o Estado, a lei civil e a Constituição devem,
obrigatoriamente, se conformar com a lei religiosa, muçulmana e xiita. Por
conseguinte, os cidadãos não muçulmanos
são tratados conforme a categoria a que pertençam.
Existem, atualmente, cidadãos de
primeira, de segunda e até mesmo de terceira classe na República Islâmica do
Irã. O que os diferencia perante a lei não é o nível socioeconômico, a etnia, muito
menos a cor da pele, mas somente a identidade de gênero e a religião que
professam. Somente os muçulmanos xiitas do sexo masculino pertencem à primeira
classe de cidadãos iranianos.
Mesmo na condição de cidadãos de
primeira classe, os muçulmanos do sexo masculino não podem exercer um direito
fundamental, amplamente difundido no mundo ocidental: mudar de religião. Assim
sendo, o Pastor Youcef Nadarkhani, que se converteu do islamismo para o
cristianismo, pode ser punido com a morte se não renunciar a sua nova crença religiosa.
A Constituição iraniana reconhece
o judaísmo, o cristianismo e o zoroastrismo como religiões, contudo, os seus
seguidores não podem exercer plenamente os direitos à liberdade de consciência
e de crença. Os seguidores dessas religiões são cidadãos de segunda classe,
pois podem pagar com a própria vida se tentarem converter um muçulmano ou se fizerem
qualquer crítica ao profeta Maomé ou à religião estatal. Não há plena liberdade
religiosa para essas pessoas, na medida em que não podem fazer seguidores.
Segundo Paul Marshall, há duas
categorias de não muçulmanos. Se um
muçulmano praticar o assassinato de um cristão, judeu ou zoroastrista, deverá apenas
“pagar pelo sangue” (to pay blood money).
Se ele, contudo, matar um bahá’í, ficará livre até mesmo da punição de pagar
pelo sangue e sairá impune pelo crime praticado. Os bahá’ís, no Irã, são
tratados como cidadãos de terceira classe.1 Paulo Delgado relata o
caso de um oficial iraniano, preso após atingir um soldado na nuca, mas que
fora imediatamente posto em liberdade no momento em que se constatou que se
tratava “apenas de um bahá’í”.2
MINORIAS EM RISCO
Todos aqueles que não são
muçulmanos xiitas e do sexo masculino encontram-se em situação de risco no
território iraniano, porquanto as suas mais elementares liberdades são
cerceadas pelo governo. O sistema judicial dos aiatolás aplica penas severas
aos dissidentes religiosos e às mulheres apanhadas em adultério. São comuns as
penas de afogamento, enforcamento, amputação de membros e apedrejamento. Cidadãos
de segunda e terceira classe são perseguidos, e por vezes presos e mantidos em
condições precárias. Com frequência são submetidos a diversas formas de tortura
como a privação de alimentos e água, o açoitamento e a cruel extração forçada
de unhas e dentes.
CERCEAMENTO
DO DIREITO À EDUCAÇÃO
Os bahá’ís sempre foram
perseguidos no Irã. Em 1930, foram proibidos de manter os seus próprios
estabelecimentos de ensino e, com isso, tiveram que enviar os seus estudantes
para as escolas e universidades públicas, onde eram alvos de constantes
discriminações e também de perseguições religiosas. Após a Revolução Islâmica,
acima mencionada, as perseguições se intensificaram. Em 1981, adveio um decreto
proibindo a admissão de estudantes e professores bahá’ís nas universidades, e
aqueles admitidos anteriormente foram expulsos das instituições de ensino.
Diante da falta de acesso ao ensino
superior, alguns educadores bahá’ís passaram a ensinar informalmente alguns de
seus alunos, mas até mesmo esse ensino informal não foi admitido pelo regime
teocrático iraniano. Em outubro de 2011, um juiz da Corte Revolucionária de
Teerã condenou sete educadores bahá’ís à pena de prisão, simplesmente por
ensinar, informalmente, alguns estudantes que não têm a oportunidade de
frequentar a universidade.
JIHAD E DHIMMITUDE
A discriminação contra os não muçulmanos é assunto completamente ignorado pela população
ocidental. Há dois institutos que explicam, mas não justificam esse fenômeno
amplamente observado nos Estados teocráticos.
Bat Ye’or observa que “embora exista ligação entre Jihad
e Dhimmitude, os institutos formam dois domínios separados. O
primeiro representa a coleção de princípios, estratégias, táticas de guerra e
conquistas, baseado nas ideias religiosas muçulmanas relacionadas com os
infiéis. O segundo representa o corpo de leis que o Estado islâmico impõe à
população não muçulmana no território conquistado e islamizado através da Jihad.”
É assim que o Islã tem procedido por séculos: 1) promovendo a “guerra santa” e
2) submetendo as populações dos territórios conquistados à condições
absolutamente discriminatórias e degradantes.3
Assim, segundo a autora
citada, Dhimmitude é o regime jurídico discriminatório imposto
aos não muçulmanos nos países
islamizados ou conquistados para o Islã. O regime teocrático impõe
diversas proibições e obrigações aos infiéis.
Para a erudita Bat Ye’or, os Dhimmis, “Protegidos”,
“infiéis”, não muçulmanos, que são
tratados como cidadãos de segunda classe ou terceira classe – estão sujeitos às
seguintes proibições: (i) carregar ou possuir armas; (ii) levantar a mão contra
um muçulmano; (iii) criticar o Islã, o Profeta ou os Anjos; (iv) mudar de
religião, exceto para Islã; (v) estabelecer matrimônio ou concubinato com mulher
muçulmana; (vi) aproximar-se de mesquitas ou cidades veneradas, para que não
haja contaminação; e (vii) usar vestimentas similares às dos muçulmanos. Além
disso, os “Protegidos” são obrigados a: (i) viver separados dos muçulmanos; (ii)
habitar casas mais baixas do que as dos muçulmanos; (iii) praticar suas
religiões secretamente e em silêncio; (iv) enterrar seus mortos rapidamente; (v)
abster-se de mostrar em público objetos como cruzes, faixas e textos
religiosos; (vi) distinguir-se dos muçulmanos pelo aspecto exterior; (vii) usar
roupas distintivas, com a cor especificada para cada grupo de dhimmis,
v.g., judeus, cristãos e samaritanos; e (viii) aceitar insultos sem replicar.4
A Declaração do Cairo sobre Direitos Humanos do
Islã, de 1990, estabelece claramente que os
direitos humanos devem se submeter à Lei Islâmica (Sharia), como observa
Littman.5 Assim, os Dhimmis não podem invocar os direitos humanos
em países como o Irã porque a Lei Muçulmana (Sharia) tem prevalência em
face da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de eventuais tratados
internacionais de direitos humanos, ainda que ratificados. Isso pode ser
considerado como patologia do direito internacional.
CONCLUSÃO
Os institutos islâmicos – Jihad e Dhimmitude
– são incompatíveis com o modelo ocidental, democrático e liberal. Nos
Estados islâmicos teocráticos, a separação entre a Mesquita e o Estado é algo
impensável, segundo a religião, a jurisprudência e o direito islâmico. Nesse
contexto, o direito e a religião são indissociáveis. O preceito religioso é,
também, norma jurídica. Além disso, a desigualdade de gênero e a falta de
afinidade com as liberdades de expressão e de religião estão enraizadas nas
tradições culturais maometanas.
A democracia liberal foi uma das maiores conquistas
da civilização ocidental. Nesse contexto é possível conjugar, de forma razoável,
igual liberdade para todos, independentemente de raça, etnia, cor, gênero e
religião.
Como observou Maristela Basso6, a Primavera
Árabe pode se transformar em Inverno Islâmico. Países como a Líbia e o Egito
estão a um passo para seguir o mesmo caminho do Irã, transformando-se em Estados
teocráticos. Para muitos cristãos egípcios e libaneses, o que seria aprazível
primavera já se converteu em rigoroso inverno de perseguições, violências e
mortes.
A reação da comunidade
internacional diante das violações de direitos humanos que acontecem no Irã é
muito importante. Segundo Paulo Delgado, as inúmeras resoluções das Nações
Unidas contra as violações praticadas pelo Irã contribuíram para o declínio do
número de Bahá’ís executados após a onda de perseguição decorrente da Revolução
Islâmica.
Talvez exista mesmo um choque de
civilizações entre o modelo democrático e liberal do ocidente e o modelo
teocrático do islamismo radical e fundamentalista.
NOTAS
1 MARSHALL, Paul A. Religious Freedom in the
World. Nashville: Rowman
& Littlefield Publishers, 2007, p. 208.
2 DELGADO,
Paulo. Discurso sobre a Comunidade Internacional Bahá’í. Brasília:
Câmara dos Deputados, 2000, p. 32.
3 YE’OR, Bat. Historical
Amnesia: Naming Jihad and Dhimmitude. In: The Myth of Islamic Tolerance:
how Islamic Law treats non-muslims (Edited by Robert Spencer). New York:
Prometheus Books, 2005, p. 107. A autora explica detalhadamente a origem dos
institutos e oferece vastíssima documentação e textos jurídicos islâmicos. Cf. YE’OR, Bat. The Dhimmi: jews & christians
under Islam. Cranbury: Fairleigh Dickinson University Press, 2005, p. 51 e
segs.
4 YE’OR, Bat. Dhimmi Peoples: oppressed
Nations. In: The Myth of Islamic Tolerance: how Islamic Law treats non-muslims. Op. cit., p. 118-119.
5 LITTMAN, David. Universal Human
Rights and “Human Rights in Islam”. In: The Myth of Islamic Tolerance: how
Islamic Law treats non-muslims. Op. cit., p. 317-331.
6
Cf. noticiado em jornal da TV Cultura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário