domingo, fevereiro 12, 2012

Artigo: Desigualdade de direitos fundamentais no Irã


Por Aldir Guedes Soriano
Artigo originalmente publicado da Revista Consulex de 15 de dezembro de 2011

Embora o Irã faça parte das Nações Unidas e figure como signatário de alguns tratados internacionais de direitos humanos, reiteradamente desrespeita o dever de tratar com igualdade os seus cidadãos. O texto do Artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 – “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” – foi completamente olvidado no país de Armadinejad. 
Ocorre que, a partir da Revolução de 1979, o Irã adotou a Lei Islâmica – Sharia Law – como fundamento jurídico do Estado. Nesse contexto teocrático de fusão entre a Mesquita e o Estado, a lei civil e a Constituição devem, obrigatoriamente, se conformar com a lei religiosa, muçulmana e xiita. Por conseguinte, os cidadãos não muçulmanos são tratados conforme a categoria a que pertençam.
Existem, atualmente, cidadãos de primeira, de segunda e até mesmo de terceira classe na República Islâmica do Irã. O que os diferencia perante a lei não é o nível socioeconômico, a etnia, muito menos a cor da pele, mas somente a identidade de gênero e a religião que professam. Somente os muçulmanos xiitas do sexo masculino pertencem à primeira classe de cidadãos iranianos.
Mesmo na condição de cidadãos de primeira classe, os muçulmanos do sexo masculino não podem exercer um direito fundamental, amplamente difundido no mundo ocidental: mudar de religião. Assim sendo, o Pastor Youcef Nadarkhani, que se converteu do islamismo para o cristianismo, pode ser punido com a morte se não renunciar a sua nova crença religiosa.
A Constituição iraniana reconhece o judaísmo, o cristianismo e o zoroastrismo como religiões, contudo, os seus seguidores não podem exercer plenamente os direitos à liberdade de consciência e de crença. Os seguidores dessas religiões são cidadãos de segunda classe, pois podem pagar com a própria vida se tentarem converter um muçulmano ou se fizerem qualquer crítica ao profeta Maomé ou à religião estatal. Não há plena liberdade religiosa para essas pessoas, na medida em que não podem fazer seguidores.
Segundo Paul Marshall, há duas categorias de não muçulmanos. Se um muçulmano praticar o assassinato de um cristão, judeu ou zoroastrista, deverá apenas “pagar pelo sangue” (to pay blood money). Se ele, contudo, matar um bahá’í, ficará livre até mesmo da punição de pagar pelo sangue e sairá impune pelo crime praticado. Os bahá’ís, no Irã, são tratados como cidadãos de terceira classe.1 Paulo Delgado relata o caso de um oficial iraniano, preso após atingir um soldado na nuca, mas que fora imediatamente posto em liberdade no momento em que se constatou que se tratava “apenas de um bahá’í”.2

MINORIAS EM RISCO                                   
Todos aqueles que não são muçulmanos xiitas e do sexo masculino encontram-se em situação de risco no território iraniano, porquanto as suas mais elementares liberdades são cerceadas pelo governo. O sistema judicial dos aiatolás aplica penas severas aos dissidentes religiosos e às mulheres apanhadas em adultério. São comuns as penas de afogamento, enforcamento, amputação de membros e apedrejamento. Cidadãos de segunda e terceira classe são perseguidos, e por vezes presos e mantidos em condições precárias. Com frequência são submetidos a diversas formas de tortura como a privação de alimentos e água, o açoitamento e a cruel extração forçada de unhas e dentes.

CERCEAMENTO DO DIREITO À EDUCAÇÃO
Os bahá’ís sempre foram perseguidos no Irã. Em 1930, foram proibidos de manter os seus próprios estabelecimentos de ensino e, com isso, tiveram que enviar os seus estudantes para as escolas e universidades públicas, onde eram alvos de constantes discriminações e também de perseguições religiosas. Após a Revolução Islâmica, acima mencionada, as perseguições se intensificaram. Em 1981, adveio um decreto proibindo a admissão de estudantes e professores bahá’ís nas universidades, e aqueles admitidos anteriormente foram expulsos das instituições de ensino.
Diante da falta de acesso ao ensino superior, alguns educadores bahá’ís passaram a ensinar informalmente alguns de seus alunos, mas até mesmo esse ensino informal não foi admitido pelo regime teocrático iraniano. Em outubro de 2011, um juiz da Corte Revolucionária de Teerã condenou sete educadores bahá’ís à pena de prisão, simplesmente por ensinar, informalmente, alguns estudantes que não têm a oportunidade de frequentar a universidade.

JIHAD E DHIMMITUDE
A discriminação contra os não muçulmanos é assunto completamente ignorado pela população ocidental. Há dois institutos que explicam, mas não justificam esse fenômeno amplamente observado nos Estados teocráticos.
Bat Ye’or observa que “embora exista ligação entre Jihad e Dhimmitude, os institutos formam dois domínios separados. O primeiro representa a coleção de princípios, estratégias, táticas de guerra e conquistas, baseado nas ideias religiosas muçulmanas relacionadas com os infiéis. O segundo representa o corpo de leis que o Estado islâmico impõe à população não muçulmana no território conquistado e islamizado através da Jihad.” É assim que o Islã tem procedido por séculos: 1) promovendo a “guerra santa” e 2) submetendo as populações dos territórios conquistados à condições absolutamente discriminatórias e degradantes.3
Assim, segundo a autora citada, Dhimmitude é o regime jurídico discriminatório imposto aos não muçulmanos nos países islamizados ou conquistados para o Islã. O regime teocrático impõe diversas proibições e obrigações aos infiéis.
Para a erudita Bat Ye’or, os Dhimmis, “Protegidos”, “infiéis”, não muçulmanos, que são tratados como cidadãos de segunda classe ou terceira classe – estão sujeitos às seguintes proibições: (i) carregar ou possuir armas; (ii) levantar a mão contra um muçulmano; (iii) criticar o Islã, o Profeta ou os Anjos; (iv) mudar de religião, exceto para Islã; (v) estabelecer matrimônio ou concubinato com mulher muçulmana; (vi) aproximar-se de mesquitas ou cidades veneradas, para que não haja contaminação; e (vii) usar vestimentas similares às dos muçulmanos. Além disso, os “Protegidos” são obrigados a: (i) viver separados dos muçulmanos; (ii) habitar casas mais baixas do que as dos muçulmanos; (iii) praticar suas religiões secretamente e em silêncio; (iv) enterrar seus mortos rapidamente; (v) abster-se de mostrar em público objetos como cruzes, faixas e textos religiosos; (vi) distinguir-se dos muçulmanos pelo aspecto exterior; (vii) usar roupas distintivas, com a cor especificada para cada grupo de dhimmis, v.g., judeus, cristãos e samaritanos; e (viii) aceitar insultos sem replicar.4
A Declaração do Cairo sobre Direitos Humanos do Islã, de 1990, estabelece claramente que os direitos humanos devem se submeter à Lei Islâmica (Sharia), como observa Littman.5 Assim, os Dhimmis não podem invocar os direitos humanos em países como o Irã porque a Lei Muçulmana (Sharia) tem prevalência em face da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de eventuais tratados internacionais de direitos humanos, ainda que ratificados. Isso pode ser considerado como patologia do direito internacional.

CONCLUSÃO
Os institutos islâmicos – Jihad e Dhimmitude – são incompatíveis com o modelo ocidental, democrático e liberal. Nos Estados islâmicos teocráticos, a separação entre a Mesquita e o Estado é algo impensável, segundo a religião, a jurisprudência e o direito islâmico. Nesse contexto, o direito e a religião são indissociáveis. O preceito religioso é, também, norma jurídica. Além disso, a desigualdade de gênero e a falta de afinidade com as liberdades de expressão e de religião estão enraizadas nas tradições culturais maometanas.
A democracia liberal foi uma das maiores conquistas da civilização ocidental. Nesse contexto é possível conjugar, de forma razoável, igual liberdade para todos, independentemente de raça, etnia, cor, gênero e religião.
Como observou Maristela Basso6, a Primavera Árabe pode se transformar em Inverno Islâmico. Países como a Líbia e o Egito estão a um passo para seguir o mesmo caminho do Irã, transformando-se em Estados teocráticos. Para muitos cristãos egípcios e libaneses, o que seria aprazível primavera já se converteu em rigoroso inverno de perseguições, violências e mortes.  
A reação da comunidade internacional diante das violações de direitos humanos que acontecem no Irã é muito importante. Segundo Paulo Delgado, as inúmeras resoluções das Nações Unidas contra as violações praticadas pelo Irã contribuíram para o declínio do número de Bahá’ís executados após a onda de perseguição decorrente da Revolução Islâmica.
Talvez exista mesmo um choque de civilizações entre o modelo democrático e liberal do ocidente e o modelo teocrático do islamismo radical e fundamentalista. 


NOTAS
1 MARSHALL, Paul A. Religious Freedom in the World. Nashville: Rowman & Littlefield Publishers, 2007, p. 208.
DELGADO, Paulo. Discurso sobre a Comunidade Internacional Bahá’í. Brasília: Câmara dos Deputados, 2000, p. 32. 
3 YE’OR, Bat. Historical Amnesia: Naming Jihad and Dhimmitude. In: The Myth of Islamic Tolerance: how Islamic Law treats non-muslims (Edited by Robert Spencer). New York: Prometheus Books, 2005, p. 107. A autora explica detalhadamente a origem dos institutos e oferece vastíssima documentação e textos jurídicos islâmicos. Cf. YE’OR, Bat. The Dhimmi: jews & christians under Islam. Cranbury: Fairleigh Dickinson University Press, 2005, p. 51 e segs.
4 YE’OR, Bat. Dhimmi Peoples: oppressed Nations. In: The Myth of Islamic Tolerance: how Islamic Law treats non-muslims. Op. cit., p. 118-119.
5 LITTMAN, David. Universal Human Rights and “Human Rights in Islam”. In: The Myth of Islamic Tolerance: how Islamic Law treats non-muslims. Op. cit., p. 317-331.
6 Cf. noticiado em jornal da TV Cultura.

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