segunda-feira, fevereiro 02, 2015

Artigo publicado na revista jurídica Consulex de janeiro de 2015: Tensão entre ideologia política e direitos humanos

                                            Tensão entre ideologia política e direitos humanos
Por Aldir Guedes Soriano

Após 70 anos de existência, o valor das Nações Unidas - ONU como marco civilizatório anda subsiste. Não se pode negar a benfazeja influência da Carta das Nações Unidas de 1945 na inspiração da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e na subsequente positivação desses mesmos direitos fundamentais nos tratados internacionais e, também, nas constituições estatais.  Assim, sob as mesmas influências dos discursos liberal e social, que nortearam a Declaração Universal, a Constituição brasileira de 1988 assegura, hoje, direitos civis, políticos, econômicos culturais e sociais.  Por outro lado, é de se lamentar que a ONU não foi capaz de evitar as gravíssimas e sistemáticas violações de direitos humanos no período pós-guerra, assim como o avanço das atividades terroristas e principalmente os genocídios que ocorreram na China e na União Soviética. Ainda nos dias de hoje seres humanos são perseguidos e degolados como animais por fanáticos do Estado Islâmico, que pretendem estabelecer um califado hegemônico e universal. A propósito disso, o presente artigo analisa suscintamente a vulnerabilidade dos direitos humanos em face do poder político de pretensões totalitárias.

Apesar da proclamada era dos direitos inaugurada pela ONU, o ser humano permanece na sua condição de vulnerabilidade em face dos grandes interesses e pretensões ideológicas e políticas. Os direitos humanos “de primeira geração”[1] concorrem diretamente com o poder do Estado, pois são direitos que dependem da omissão estatal para que possam ser exercidos. A inversão disso, ou seja, a intromissão do poder estatal determina a redução desses direitos. Assim, é notória a redução da autonomia individual à medida que se promove o aumento do poder estatal e a estatização do espaço privado.  

Filósofos influentes, como Rousseau, Hegel e Marx, ao tentar lançar as bases da liberdade humana, acabaram por pavimentar o caminho do estabelecimento da tirania, da opressão e do totalitarismo.  As consequências disso na América Latina foram por um lado o desenvolvimento do virulento populismo bolivariano e de outro lado a cristalização da crença popular de que o governo ou o Estado são entes provedores de todas as necessidades humanas. Assim, o povo sul-americano é tratado como gado. Aviltado em sua dignidade é vítima do discurso eleitoreiro que promete o bem-estar social para todos.  Assim, gradativamente a população acaba por consentir que o Estado se intrometa nos assuntos privados com o alento ilusório das políticas de transferência de renda como o “Bolsa Família”.  A realidade é que as tais políticas de transferência de renda, como se verificou na Venezuela, produzem pobreza. Isso é perversamente desejável do ponto de vista populista, pois assim é possível justificar mais intervenção estatal, mais controle dos meios de produção e, enfim, mais impostos para alimentar o assistencialismo demagógico. Essa lógica maquiavélica instala o ciclo de pobreza e de intervenção estatal.

Nas origens ideológicas do populismo latino-americano na versão bolivariana e de inspiração cubana não há nenhum apreço para com os direitos humanos nem com o alardeado bem-estar social. Como revela o cubano exilado no Brasil, Carlos Moore, os negros foram brutalmente perseguidos pela ditadura de Fidel Castro. Após a revolução, o candomblé foi banido e os pais de santo foram encarcerados em gigantescos Campos de Concentração, nos quais alguns deles foram fuzilados. Ademais, o homossexualismo é proibido em Cuba. Além de violar a liberdade de expressão fechando jornais independentes, a Venezuela foi acusada pela ONU pela prática de tortura e maus-tratos de 3.000 opositores ao regime ditatorial de Nicolás Maduro, que foram presos em manifestações desde o início do ano.

O único compromisso notório do populismo latino-americano é com o poder, que deve ser cada vez mais centralizado no executivo. Os poderes legislativo e judiciário se tornam totalmente subservientes à vontade do executivo. Além disso, controle social da mídia blinda o sistema opressor. 

As raízes do fenômeno estatizante são complexas e merecem estudos mais aprofundados, contudo não há dúvidas de que filósofos influentes moldaram tanto a política mundial quanto as crenças populares no sentido da sacralização do Estado. Nessa linha de raciocínio o Estado passou a ser o depositário de todas as virtudes morais e o agente idôneo da intervenção e da regulamentação da economia, da família, da propriedade, da religião e até mesmo na vida privada do cidadão.  Alias, são essas as principais áreas em que se encontram os poderes concorrentes do poder estatal, nas quais o indivíduo pode exercer legítima autonomia para pensar e agir.

 Instalou-se no Brasil e no mundo uma crise dos direitos humanos traduzida na estatização da dimensão da vida privada. As possibilidades de livre atuação tanto de indivíduo quanto de associações privadas são sensivelmente e gradativamente reduzidas. Não são gratuitos os ataques aos principais poderes que concorrem com o poder do Estado no âmbito da família, da propriedade privada e da religião.  O objetivo é a concentração do poder. Os direitos humanos são utilizados como pretextos para atacar principalmente as liberdades individuais.  As pretensões do populismo bolivariano vêm de encontro com os direitos consagrados pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.[2]

Notas:




[1] O sistema geracional dos direitos humanos é criticado pela doutrina, contudo a denominda primeira geração de direitos corresponde aos direitos civis e politicos. Conforme acentua Carlos Weis, não há uma sucessão de direitos, erroneamente induzida pela idéia de gerações de direitos. Destarte, os direitos mais recentes não suscederam os mais antigos. Os direitos de segunda geração - sociais,  econômicos e culturais - não são superiores aos direitos individuais. Os direitos de segunda geração não poderiam ser utilizados como pretexto para a violação de direitos individuais.
[2] De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, “ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade, “ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família e no seu lar e “todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião”.

2 comentários:

Fábio Nascimento disse...

Artigo esclarecedor sobre um grande mal que assola nosso continente.

Aldir G. Soriano disse...

Muito obrigado!